Posicionamento do OIEEI acerca do Ofício SMED/EXTER/0585-2025

O Observatório de Redes de Apoio à Inclusão Escolar e Educação Inclusiva (OIEEI) tomou conhecimento dos recentes ofícios e cartas divulgados pela Secretaria Municipal de Educação de Belo Horizonte (MG) – Carta divulgada para as direções acerca do Atendimento Educacional Especializado e Ofício SMED/EXTER/0585-2025 – referentes à reorganização do Atendimento Educacional Especializado (AEE) nas escolas municipais e se manifestou por meio do encaminhamento de um documento à SMED. O texto, a seguir, corresponde à íntegra deste documento enviado.

À Secretaria Municipal de Educação de Belo Horizonte,

À Diretoria de Inclusão,

Os membros do Observatório de Redes de Apoio à Inclusão Escolar e à Educação Inclusiva (OIEEI) – manifestam-se, por meio desta carta, expressando o seu posicionamento a respeito dos documentos “Carta divulgada para as direções acerca do Atendimento Educacional Especializado e Ofício SMED/EXTER/0585-2025”.

O Observatório de Redes de Apoio à Inclusão Escolar e à Educação Inclusiva (OIEEI) tomou conhecimento dos recentes ofícios e cartas divulgados pela SMED (Carta divulgada para as direções acerca do Atendimento Educacional Especializado e Ofício SMED/EXTER/0585-2025), referentes à reorganização do Atendimento Educacional Especializado (AEE) nas escolas municipais.

O OIEEI é uma Rede Internacional de estudos e pesquisas sobre Educação Especial na perspectiva da Educação Inclusiva, com sede na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Essa rede é formada e apoiada por grupos de pesquisa e outras organizações que possuem foco em pesquisas e práticas nas seguintes áreas: i) Políticas Públicas de (e para) a inclusão educacional; ii) Formação profissional; e iii) Intervenção profissional.

De antemão, gostaríamos de deixar registrada a necessária e importante expansão do AEE nas escolas, a qual somos totalmente favoráveis, quando esse atendimento é assegurado com perspectivas claras para sua atuação e funcionamento, com a garantia do padrão de qualidade e conforme a previsão legal. Reafirmamos, ainda, a importância de que esse atendimento seja realizado por profissionais com formação adequada, de modo a assegurar a efetividade e a qualidade das ações pedagógicas previstas para esse serviço.

Nesse sentido, o OIEEI manifesta-se, por meio desta carta, trazendo algumas considerações e questionamentos sobre aspectos da reorganização do Atendimento Educacional Especializado, que será implementado pela Rede Municipal de Belo Horizonte, de modo a colaborar com reflexões sobre o tema na implementação desse atendimento nas escolas por parte da SMED.

Um ponto importante a ser destacado refere-se à conceituação de Educação Inclusiva e de Educação Especial que apresentam suas particularidades e distinções políticas. Ao entender que a Educação Inclusiva é um movimento político-filosófico e ético-moral, em nível mundial, entendemos que ela se refere a todos os grupos que foram historicamente marginalizados da Educação e, por isso, esse movimento visa garantir esse direito.

Já a Educação Especial constitui-se como uma modalidade de ensino ofertada de forma transversal, a ser considerada em todas as etapas, níveis e modalidades de ensino. Neste ponto, é importante assegurar e assinalar o papel que a Educação Especial possui nas normativas Brasileiras, tal como a garantia de recursos específicos e estruturas políticas de suporte que, porventura, o chamado público da educação especial pode precisar. Alertamos para o fato de que não são todas as pessoas desse público que demandam esse suporte especializado.

Por isso, reconhecemos a importância de iniciativas de promoção a um atendimento escolar voltado para todos os estudantes com deficiência, transtorno do espectro autista e altas habilidades ou superdotação, no entanto, é relevante diferenciá-lo do Atendimento Educacional Especializado – AEE (voltado para o público da educação especial), dos atendimentos que se configuram como apoio escolar, ou reforço escolar, ou projeto de acompanhamento/intervenção pedagógica, entre outros, para desenvolvimento e/ou recomposição das aprendizagens de estudantes que demandam.

Nesse mesmo entendimento, o próprio Ofício SMED/EXTER/0585-2025 menciona a Nota Técnica nº 04/2014/MEC/SECADI/DPEE que, frise-se, trata-se de “Orientação quanto a documentos comprobatórios de alunos com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades/superdotação no Censo Escolar”, ou seja, somente para os estudantes do público da educação especial. O citado documento esclarece que “não se pode considerar imprescindível a apresentação de laudo médico (diagnóstico clínico) por parte do aluno com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento ou altas habilidades/superdotação”, ou seja, fica bem definido o público específico para quem são essas orientações do Ministério da Educação.

Ao passo que é informado no Ofício que o AEE será assegurado a “todos os estudantes com necessidades educacionais específicas”, é importante ressaltar que, na legislação, há um público elegível para esse atendimento (estudantes com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades ou superdotação), conforme dispõe o artigo 58 da Lei nº 9.394/1996 – Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – LDBEN. Conforme essa organização do AEE, é assegurada a dupla contagem da matrícula para recursos do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (FUNDEB) desde que seja para público elegível. Assim, é necessário ter cautela com essa expansão a todos os públicos para que seja pontuado o papel da dupla-matrícula no financiamento desse serviço. Estudantes que não são elegíveis para este Atendimento, não possuem garantia de recursos e, dentro dos critérios de elegibilidade, deve haver um atendimento preferencial para os referidos estudantes.

É valorosa – e importante – a necessidade de expansão desses serviços, mas deve-se ater em escolas nas principais áreas de vulnerabilidade do município. Essa garantia deve considerar e compreender as múltiplas interseções – gênero, raça, classe e deficiência – na provisão de políticas. A expansão deve considerar, principalmente, as escolas em que há maior vulnerabilidade e, assim, assegurar que não haja uma discrepância no atendimento. Apontamos também a necessidade de um fortalecimento da intersetorialidade, especialmente com os setores de assistência social e de saúde, como estratégia necessária para a efetivação e garantia de direitos.

Outro aspecto relevante é a referência sobre a oferta obrigatória do Atendimento Educacional Especializado, de caráter complementar ou suplementar à formação do estudante da educação especial, realizada por meio da disponibilização de serviços, recursos de acessibilidade e estratégias que eliminem barreiras para sua plena participação na sociedade, considerando suas demandas e potencialidades. É valoroso apontar que essa atuação, ainda que se configure na legislação nas Salas de Recursos Multifuncionais (SRM), não se restrinja a elas. Ao passo que outras estratégias, como algumas que mencionaremos a seguir, possuem resultados satisfatórios e muito importantes para avaliar este serviço, ao longo dos últimos anos. E também, para os estudantes matriculados no AEE, deve ser elaborado o Plano de Atendimento Educacional Especializado (PAEE), que explicita o planejamento das intervenções pedagógicas a serem desenvolvidas pelo professor especializado com o estudante.

Neste ponto, é importante demarcar e apontar os papeis que cada docente tem no processo pedagógico, de forma a apontar as funções que cada um deve ter na organização escolar, atuando de forma colaborativa e articulada e, assim, favorecer as condições de trabalho docente de todos os profissionais da educação. Assim, cabe demonstrar o papel importante que todos estes profissionais e toda a comunidade escolar possuem neste processo.

Um dos aspectos que tem a ver com as estratégias que queremos mencionar refere-se ao papel que o professor de AEE/Educação Especial pode desempenhar nas práticas nomeadas como Coensino/Ensino Colaborativo. Tal prática favorece um desenvolvimento dos estudantes com a articulação de professores regentes e daqueles especializados para uma atenção que não necessite a saída do estudante para uma sala – aspecto que promove a segregação e fortalece o modelo médico de compreensão sobre a deficiência. a abordagem colaborativa vem demonstrando ser promissora, com um forte potencial para agregar a formação dos estudantes.

Trazemos aqui, também, a proposição do Sistema de Suporte Multicamadas/Multinível, uma abordagem que analisa as múltiplas demandas dos estudantes e, além disso, reforça que alguns demandam de maior apoio e outros de menor. Nessa perspectiva, é relevante observar e considerar que outras práticas também devam ser consideradas no processo de ensino e aprendizagem que assegurem e favoreçam a inclusão escolar. Entender esta lógica permite compreender os diversos suportes que podem ser ofertados e favorecidos, além de potencializar as práticas de ensino com/para todos os estudantes – sejam aqueles com ou sem deficiência. Ajuda também a entender que o suporte especializado não é inerente à condição de deficiência e para que esse sistema funcione é necessário lançar mão de abordagens universais de aprendizagem.

Outra preocupação que se coloca é sobre o processo de contratação de professores e dos processos que envolvem a progressão de carreira de tais profissionais. Entende-se a necessidade de profissionais, mas ressalta-se também a importância de que eles possuam uma formação adequada e de qualidade para atuar com/para este público. A busca dentro das próprias escolas é uma estratégia relevante, porém, a formação para a atuação como professor de AEE e/ou professor de apoio tem algumas particularidades, como os conhecimentos já mencionados. Acreditamos que neste momento, é necessário que a SMED e a PBH assegurem uma formação que garanta a estes profissionais uma atuação adequada e contínua. Ainda nessa perspectiva, temos a progressão de carreira, uma vez que é mencionada a exigência de pós-graduação em áreas específicas, porém, não menciona como essa contabilização será acrescida na remuneração – até mesmo para os casos dos professores que estão em estágio probatório.

Reiteramos a necessidade de um cuidado grande para que as práticas sugeridas como solução pela SMED não incidam em discursos que se aproximam do processo de medicalização da educação e do fortalecimento do modelo médico da deficiência. Ressaltamos as análises apontadas por Pletsch e Paiva (2018, p. 1050) as quais podem ocasionar o aumento de “laudos” ao associar dificuldades e lacunas do processo educacional às condições de deficiência:

O processo de avaliação e identificação de alunos com deficiência intelectual é subjetivo, apesar das discussões sobre o assunto estarem tomando corpo, no sentido de que se encontrem caminhos mais coerentes com as especificidades das demandas locais. Destacamos também a forte influência do modelo médico nas práticas avaliativas e pedagógicas. Aqui um dos aspectos que chamou muita atenção é a indicação, por parte dos professores, de um número elevado de alunos com dificuldades para acompanhar a turma como se fossem alunos com deficiência intelectual. Esse aspecto indica que, de maneira geral, as práticas de identificação dos alunos da Educação Especial ainda revelam a intenção mais de se atenuar problemas de turmas regulares do que incluir os alunos de fato. Esse tipo de prática, mesmo que não intencional, culpabiliza o aluno e isenta a escola da responsabilidade sobre o fracasso escolar.

Desta forma, defendemos que o processo de inclusão escolar seja conduzido de forma a considerar as potencialidades dos estudantes e assegurar um sistema educacional inclusivo. Assim, assegurará os princípios éticos, políticos e filosóficos em prol da Educação Especial na perspectiva da Educação Inclusiva.

Feitas essas considerações sobre o Atendimento Educacional Especializado, o Observatório de Redes de Apoio à Inclusão Escolar e Educação Inclusiva (OIEEI) coloca-se à disposição para quaisquer esclarecimentos necessários e para dialogar com a Secretaria Municipal de Educação de Belo Horizonte, no sentido de contribuir para a garantia do direito à Educação Especial na perspectiva da Educação Inclusiva nessa Rede Municipal de Ensino.

Atenciosamente,

Observatório de Redes de Apoio à Inclusão Escolar e Educação Inclusiva

(www.redesdeinclusaoescolar.com.br)

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Jáima Pinheiro de Oliveira                            Ícaro Belém Horta

Coordenadora do OIEEI               Membro do OIEEI e professor da PBH

Referências

COSTA, Juliane Dayrle Vasconcelos; MENDES, Enicéia Gonçalves. Programa de formação sobre sistema de suporte multicamada em uma cidade paulista. In: DISSEMINANDO SABERES DA EDUCAÇÃO ESPECIAL: TEMAS ATUAIS, PESQUISAS E INOVAÇÃO, 1., 2023, São Carlos. Anais […]. São Carlos: EDESP-UFSCar, 2023. p. 61-66.

FRANÇA, Marileide Gonçalves. Financiamento da educação especial: complexas tramas, permanentes contradições e novos desafios. Tese (Doutorado) – Faculdade de Educação, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2014.

HORTA, Ícaro Belém. Entre ciclos e políticas: análise dos contextos das políticas nacionais de educação especial de 2008 e 2020. Dissertação (Mestrado em Educação) Faculdade de Educação, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 228 p., 2024.

HORTA, Ícaro Belém; SARAIVA, Ana Maria Alves; TORRES, Josiane Pereira. A EMERGÊNCIA DA INTERSECCIONALIDADE NOS DEBATES SOBRE DEFICIÊNCIA: Contribuições de pensamentos decoloniais latino-americanos. Revista Relicário, v. 10, n. 19, p. 52-69, 2023.

MENDES, Enicéia Gonçalves; VILARONGA, Carla Ariela Rios. Ensino colaborativo como apoio à inclusão escolar: unindo esforços entre educação comum e especial. EdUFSCar, 2023.

OLIVEIRA, Jáima Pinheiro. Educação especial: formação de professores para a inclusão escolar. Editora Contexto, 2022. VILARONGA, Carla Ariela Rios; MENDES, Enicéia Gonçalves. Ensino colaborativo para o apoio à inclusão escolar: práticas colaborativas entre os professores. Revista brasileira de estudos p

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